Imediatamente ao sul do Parque Dom Pedro II, às margens do rio Tamanduateí, a drenagem de uma várzea e a canalização de córregos na década de 1920, gerou uma área vazia bem no centro de São Paulo.

Trecho da Planta da Cidade de São Paulo de 1924, várzea do Carmo antes da drenagem (indicada em amarelo). O círculo vermelho indica a Catedral da Sé

Trecho do mapa SARA de 1930. Áreas vazias ao sul do Parque Dom Pedro II

Ao longo dos anos, as quadras criadas entre as ruas Glicério, Lava-pés e Luiz Gama, no Cambuci, foram sendo ocupadas. Em amarelo as antigas oficinas da Light na rua Lava-pés, hoje uma enorme gleba vazia em que está sendo lançado um grande complexo habitacional, em laranja a área que foi ocupada pelo IAPI – Conjunto Habitacional Várzea do Carmo na década de 1940 e, em vermelho, área onde está em construção o Residencial 22 de Março pelo Fórum de cortiços e sem teto de São Paulo. As áreas azuis são ocupadas desde as décadas de 1960/1970 por enormes edifícios do Instituto de Previdência Social. O mapa mostra que antes dos viadutos do Parque Dom Pedro e do alargamento da Avenida do Estado, a área era razoavelmente interligada à Mooca e à Liberdade.

1979. Conjunto Habitacional Várzea do Carmo. Foto: Raul Garcez

O Conjunto Várzea do Carmo foi construído por iniciativa do IAPI (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários). O projeto de Attilio Corrêa Lima, Alberto de Mello Flores, Hélio Uchoa e José Theodulo da Silva (1938-1942) se valendo da ampla gleba (185.000 m2) e da extensão da proposta, concebeu o conjunto como um enclave de urbanismo moderno vizinho à colina histórica de São Paulo. Os blocos laminares foram dispostos paralelamente nas quadras, sem divisão de lotes, em meio à área verde. O plano original previa aproximadamente 4000 unidades habitacionais espalhadas em 16 blocos de 12 pavimentos e 43 blocos de 4 pavimentos, além de áreas com comércio e serviços e edifícios institucionais. As unidades habitacionais, calculadas na época para uma média de cinco pessoas, variavam entre 41 e 85 m2.

Conjunto IAPI Várzea do Carmo, implantação publicada na revista Municipal de Engenharia (1942)

Trecho da foto aérea de 1958 (http://www.geoportal.com.br/memoriapaulista/), que mostra os 20 blocos de 4 pavimentos efetivamente construídos (552 unidades).

Na foto aérea de 1958 é possível observar a permanência de grande extensão de áreas vazias na gleba do IAPI em contraposição à verticalização com alta densidade a noroeste da gleba, entre as ruas Oscar Cintra Gordinho, Conde de Sarzedas e Glicério (indicada pelo círculo vermelho).  Hoje o Conjunto da Várzea do Carmo está tombado pelo CONPRESP (Resolução n. 44/2017), assim como dois blocos do INSS:  a atual Agência do INSS (arquiteto Zenon Lotufo) e o antigo Almoxarifado e Administração (arquiteto Alfredo De Divitiis), preservando uma área de implantação urbana moderna em pleno centro de São Paulo: edifícios laminares dispostos paralelamente (década de 1940) e grandes blocos de dominante horizontal que sozinhos ocupam a quadra (década de 1960).      

O Condomínio Residencial 22 de Março (Rua Barão de Iguape, 985) ocupa um pequeno trecho da antiga gleba do IAPI, junto à praça Nina Rodrigues. Com 278 unidades, tem como incorporadora a Entidade Organizadora Fórum de Cortiços e Sem Tetos de São Paulo, projeto de Juan González Arquitetura (Fábrica Urbana) e construção JCVITA. O terreno, de propriedade do governo federal, ia a leilão em 2011. Em março de 2011, associados da Entidade Organizadora fizeram uma ocupação da área, reivindicando para si o terreno. Segundo o site do Fórum de cortiços, após doze dias de acampamento, o Dataprev (Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social) concordou em vender o terreno pra a Entidade. 

Imagem disponibilizada no site da Entidade (https://forumcorticos.org.br/22-marco-cambuci/fotos-do-22-de-marco-ocupacao-contra-o-leilao-15032011/)

Planta tipo do Condomínio Residencial 22 de Março https://www.slideshare.net/Forum_Corticos/residencial-22-de-maro-imagens-finais/4?smtNoRedir=1

Condomínio 22 de Março (Fórum de Cortiços e Sem Tetos de São Paulo/ONG Fábrica Urbana). Foto: FMM, out./2018

O programa de financiamento habitacional federal, Minha Casa Minha Vida, disponibiliza uma porcentagem para Entidades: cooperativas habitacionais, associações e entidades privadas sem fins lucrativos. O Fórum de Cortiços e Sem Tetos de São Paulo é coordenado por Verônica Kroll. Intencionalmente ou para responder às necessidades da demanda, a solução formal do conjunto residencial se destaca dos empreendimentos do mercado imobiliário. Com 21 unidades por pavimento, a torre se dobra num ângulo obtuso para melhor adaptação ao terreno. A solução do pavimento tipo dá destaque às unidades habitacionais, criando um ziguezague nas elevações.

O terreno da antiga gleba ocupada pelas oficinas da Light, com uma área aproximada de 110.000 m2, foi vendido pela Eletropaulo para o fundo americano GTIS. Todos os antigos galpões de tijolos, em boa parte remanescentes da década de 1920, foram demolidos em 2014.

Vista geral das oficinas no Cambuci a partir do Oeste, em primeiro plano, casario na rua Lava-pés. Acervo da Fundação Energia e Saneamento https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/34886-oficinas-do-cambuci#foto-510865 

A partir de uma tábula rasa, o plano imobiliário de ocupação da gleba prevê o fatiamento da área em terrenos de 3.000 a 3.500 m2, com a criação de condomínios independentes com até 300 unidades cada.  No centro do complexo está prevista uma praça. No total, serão 35 torres e 5.500 unidades habitacionais.  Cerca de 60% dos imóveis se enquadram nas faixas 2 e 3 do programa Minha Casa Minha Vida.

Plano do complexo habitacional Pátio Central no Cambuci

Os primeiros seis lotes do empreendimento: três voltados para a rua Lava-pés e três para a rua Junqueira Freire.

Lote 1 do complexo habitacional Pátio Central

O empreendimento Pátio Central, em que pese a enorme gleba disponível, busca uma inserção não destacada da cidade ao redor, com os edifícios dispostos em lotes francamente voltados para a rua. Ao mesmo tempo, não estando a cargo de institutos de categorias profissionais ou entidades sociais e em que pese o financiamento Minha Casa Minha Vida, deve competir no mercado, o que conduz à busca da normalidade de mercado para o extrato sócio econômico a que se destina: desenho convencional, número de unidades por pavimento convencional, símbolos de status convencionais.

 

 

 

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