A rua Apa, uma travessa da avenida de São João próxima à praça Marechal Deodoro, ganhou notoriedade no final da década de 1930 devido a um crime envolvendo três membros da família que morava na casa de n. 236, o Castelinho da rua Apa.

O Castelinho, objeto de investigação criminal no final da década de 1930

O Castelinho tem uma implantação curiosa: a fachada principal está alinhada com a rua Apa e sua lateral está inclinada em relação à avenida São João (via que aparece em primeiro plano na foto acima). Para uma casa tão chamativa, o natural seria que estivesse voltada para a avenida. Na verdade, quando a casa foi construída, em 1912, era uma casa de meio de quarteirão, pois aquele trecho final da avenida São João ainda não existia.

A avenida São João que conhecemos hoje é fruto não só do alargamento da antiga rua de São João, como de sua ampliação em linha reta desde a Alameda Glete até a rua Lopes de Oliveira, vindo a confluir com a rua das Palmeiras. O mapa de 1930 mostra esse trecho final da avenida já aberto, cortando ao meio três quadras e criando a praça Marechal Deodoro.

Trecho do mapeamento 1930 – SARA

O retângulo amarelo destaca o trecho novo da Av. São João, ainda truncado por casas remanescentes das antigas quadras, agora divididas pela avenida. Em azul, o terreno do Castelinho, imóvel que passou a ocupar uma das esquinas no cruzamento da rua Apa com a nova avenida.

Foto de trecho da obra Rua Apa de Mick Cornicelli, 1944. Foto: FMM em março/2019

A rua Apa foi imortalizada numa pintura feita em 1944 por Mick Carnicelli (1893-1967). O quadro pertence hoje ao acervo da Pinacoteca do Estado. A cena mostra uma antiga rua residencial de bairro, com uma atmosfera muito diferente da que predomina ali atualmente.

Esquina da rua Apa com Avenida São João, ca. década de 1940, fotógrafo desconhecido

Uma foto contemporânea à pintura, permite supor que a cena retrata com liberdade parte da fachada do Castelinho voltada para a rua Apa e suas casas vizinhas. O tratamento em tons cinzas dessa fachada, em contraste com o tom quente que predomina no quadro, eventualmente, seja uma alusão ao drama doméstico que teve lugar ali. Por uma dessas vicissitudes da vida, numa cidade em que boa arquitetura é destruída sem dó, justo o Castelinho foi preservado. O Castelinho pertence ao INSS, é tombado pelo Conpresp desde 2004, foi restaurado pelo governo do Estado de São Paulo e está cedido à ONG Clube de Mães do Brasil.

Castelinho da rua Apa. Fev./ 2019, foto: FMM

Na esquina diametralmente oposta ao castelinho, ficam os edifícios Porchat do arquiteto Rino Levi, projeto de 1940. Voltados para o trecho na época ainda novo da avenida São João, o projeto dos edifícios Porchat se valeu da inclinação da via para criar quatro fachadas escalonadas, cada uma delas correspondendo a um condomínio independente. O conjunto foi tombado pelo Conpresp em 2018.

Os edifícios Porchat em anúncio de época

Minhocão e edifícios Porchat. Fev./2019, foto: FMM

Os edifícios Porchat, bem desenhados e bem localizados na cidade, sofreram o infortúnio da presença do elevado. E, os milhares de transeuntes que circulam pela São João, têm a visada da arquitetura que conforma o entorno sempre truncada pelo Minhocão.

Na esquina da rua Apa com a atual rua Gen. Júlio Marcondes Salgado (antiga rua do São João), desde 1921, está o prédio da antiga Escola de Aprendizes Artífices (eng. Samuel das Neves). Hoje o prédio, que pertence ao governo federal, integra o complexo cultural formado pela FUNARTE/SP e pela Fundação Biblioteca Nacional. O acesso a esse edifício é feito pela rua interna da FUNARTE, enquanto a longa face voltada para a calçada segue sempre fechada.

Antiga Escola de Aprendizes Artífices. Década de 1920, fotógrafo desconhecido

Parte do Complexo Cultural Federal. Fev./ 2019, foto: FMM

Desde a construção do Minhocão, a atmosfera da rua Apa ficou um tanto contaminada. De lá para cá foi concluído o Edifício Beta, no mais, galpões sem desenho, excesso de grades de proteção e o descuido com o espaço público encabeçado pela FUNARTE dão o tom.

Após décadas sem atrair qualquer investimento significativo, na esquina diametralmente oposta ao complexo da FUNARTE, dois imóveis foram incorporados num grande terreno que está cercado e com alvará de execução. As linhas verticais do tapume sugerem que em breve um novo edifício conformará a paisagem daquela esquina, eventualmente, voltando a atrair habitantes para a rua Apa.

Rua Apa, incorporação junto à rua Gen. Júlio Marcondes Salgado. Fev./ 2019, foto: FMM

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