Prestes Maia foi prefeito nomeado de São Paulo, durante a ditadura Getúlio Vargas, entre 1938 e 1945. Nesse período, redesenhou a região central da cidade, com vistas a acomodar o crescente fluxo de automóveis. As intervenções foram norteadas por seu Plano de Avenidas, elaborado com Ulhoa Cintra: avenidas compondo anéis perimetrais ao centro e avenidas radiais (que iam do centro para os bairros). Graças à ditadura, tinha amplos poderes para desapropriar e colocar abaixo quarteirões inteiros do centro histórico da cidade e nenhuma oposição.

Trecho de foto aérea de São Paulo, 1958. Os pontos laranja assinalam a primeira perimetral, em lilás, a Catedral da Sé

O traçado da primeira perimetral (avenida de irradiação) passou tangenciando os fundos da Catedral da Sé, pela dita Praça Dr. João Mendes, seguiu pela rua Anita Garibaldi, cruzou o Parque Dom Pedro II pela Rangel Pestana, contornou o parque pela rua da Figueira e avenida Mercúrio, seguiu pela avenida Senador Queirós, dobrou na Cásper Líbero, avenida Ipiranga, avenida São Luís, e, por meio de uma sequência de viadutos – Viaduto Nove de Julho, Viaduto Jacareí, rua Dona Maria Paula, Viaduto Dona Paulina –  retornou à Praça Dr. João Mendes.

Trecho do mapeamento SARA 1930. Em amarelo, os quarteirões próximos à Sé que foram destruídos para construção da avenida de irradiação. Em laranja, desapropriação para construção do edifício Anexo ao Palácio da Justiça (gestão Prestes Maia, 1938-1945)

Uma vez que o primeiro anel perimetral foi traçado cortando em parte a colina histórica, cujo traçado irregular de ruas estreitas era incompatível com o escoamento rápido do tráfego de automóveis, foi essa área a mais atingida pelas demolições. A antiga Praça Dr. João Mendes, atrás da Catedral, virou avenida, tornando até difícil entender as fotos antigas. Numa das laterais da praça, onde hoje desemboca o Viaduto Dona Paulina, ficava o edifício da Assembleia Estadual de São Paulo (antiga casa de Câmara e Cadeia, edifício reformado no século 19).

Praça Dr. João Mendes. Edifício da Assembleia Estadual. Foto: década de 1930, autor desconhecido.

A outra lateral da praça era composta por um quarteirão onde ficava a antiga igreja Nossa Senhora dos Remédios, cuja fachada era recoberta de azulejos.

Praça Dr. João Mendes, a igreja Nossa Senhora dos Remédios. Foto: década de 1930, autor desconhecido.

Antigos azulejos da fachada da Igreja dos Remédios. Ironicamente, mantidos no acervo da Biblioteca Prefeito Prestes Maia

As demolições de Prestes Maia criaram uma descontinuidade do tecido edificado em pleno centro histórico. Alguns logradouros simplesmente sumiram, como a rua Irmã Simpliciana (atrás do Palácio da Justiça), outros, como a rua do Carmo, que ligava a rua Tabatinguera ao Pátio do Colégio foi partida em duas metades que ficaram desconectadas até no nome: rua Roberto Simonsen e rua do Carmo.

Praça Dr. João Mendes, à esquerda, demolições para construção do Anexo do Palácio da Justiça (Fórum João Mendes Jr.). Década de 1940, foto: autor desconhecido.

A larga avenida perimetral induziu os edifícios institucionais que vieram a ser construídos ao longo de seu leito a uma nova escala urbana, de grandes proporções, criando uma ruptura com o traçado da cidade antiga. Tal é o caso do edifício Anexo do Palácio da Justiça, atual Fórum João Mendes, (Severo Villares):

O Estado de S. Paulo, terça-feira, 05/12/1944, p. 10

Fórum Dr. João Mendes Jr., face voltada para o Largo 7 de Setembro, foto: FMM, abril, 2016.

Também de grandes proporções, o edifício da Secretaria da Fazenda e do Planejamento do Estado de São Paulo (arquiteto F. J. Pinotti, Sociedade Construtora Brasileira) foi construído na década de 1950 no trecho da perimetral que substituiu a antiga Ladeira do Carmo.

Edifício da Secretaria da Fazenda e do Planejamento do Estado de São Paulo (em obras) e igreja da Ordem Terceira do Carmo (o antigo convento e a igreja do Carmo haviam sido demolidos em 1929) Foto: Leon Liberman, data: 1952 (Revista Acrópole).

Texto de publicação do edifício, ainda em obras, na Revista Acrópole, n. 173, set. 1952

À esquerda, o grande volume do Edifício da Secretaria da Fazenda e do Planejamento do Estado de São Paulo visto a partir do viaduto Governador Abreu Sodré no Parque Dom Pedro. Foto: FMM, outubro, 2017.

A primazia dada aos automóveis na definição do traçado urbano, que nos idos da década de 1940 se fantasiava de progresso, com avenidas cuja grandiosidade davam orgulho à população, foi uma opção que, junto ao atraso na construção do metrô, acabou levando aos nefastos viadutos dos anos de 1960/1970, que tanto corrompem a paisagem urbana de São Paulo.

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